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4º Colóquio Sobre Fendas Lábiopalatinas - Porto

Inscrevi-me para o Oporto Cleft Meeting 2019/ 4º Colóquio Sobre Fendas Lábiopalatinas porque estava especialmente interessada no workshop para terapeutas da fala, programado para sexta-feira dia 15. Recebi um email a informar-me do seu cancelamento devido a um imprevisto de última hora, mas com a possibilidade de fazer inscrição para o dia 16, agradeci o aviso e aceitei a inscrição para sábado. Importa dizer que estas inscrições eram gratuitas, nem um valor simbólico de inscrição pediram.

No dia anterior ao colóquio, e após uma semana bastante atribulada, confesso que a minha vontade de comparecer era parca. O meu interesse pelo tema é muito grande, não me interpretem mal, e embora a ideia de ir ao Porto me seja sempre agradável, acontece que o cansaço estava a tentar ganhar terreno, mas eu não deixei. Não queria perder a oportunidade de assistir ao colóquio – pelo programa que me havia chegado, como também sinto sempre o facto de ocupar uma vaga de inscrição em eventos gratuitos como um acréscimo na minha responsabilidade em comparecer. Lá fui. A viagem recompôs-me, por essa altura estava em plenas movimentações para as obras no Bem Dita Terapia e a cabeça a mil com ideias a esvoaçar por todo o lado. Cheguei ao Porto e senti-me logo grata por ter ido. Ainda não podia adivinhar o quão mais grata me sentiria ao final do dia.


Quando entrei na sala de conferências do Hospital Lusíadas Porto vislumbrei logo a colega Helena Vilarinho.

Tenho, para sempre, uma dívida de gratidão para com a Helena, que me recebeu no Hospital São João em 2001 quando comecei a trabalhar no Instituto Português de Oncologia de Coimbra (onde depois trabalhei 16 anos). Eu vinha da área da multideficiência, mesmo gostando muito da área da oncologia achei que seria bom estar com que já tinha experiência na área e pedi a duas colegas para me ajudarem no “arranque” das minhas funções no IPO. Estive uma semana com a Helena, assisti às suas consultas, ensinou-me o que sabia e reflectiu comigo.

Regressando ao colóquio, soube-me bem o aceno da Dra. Helena Vilarinho, desde a mesa, quando entrei na sala e olhei em volta a ver se via alguma cara conhecida.

Começado o colóquio, a sala estava completa. Os destinatários eram claros “profissionais de saúde, pais e portadores” - uma plateia bonita. Desde bebés a adultos com fenda labiopalatina, às suas famílias e os, como eu, profissionais de saúde.

O programa começou com “O Ouvido” pelo Dr. Carlos Torrão Pinheiro, seguindo-se a conferência “Forma e Função”, pela Dra. Ana Avelar, médica dentista – ortodontista e pelas colegas terapeutas da fala Dra. Ana Paris Leal e Dra. Mariana Alface que sublinharam veementemente uma ideia-chave que destaco:

«A função faz o órgão e o órgão faz a função»

É muito bonito, e acima de tudo motivante e reconfortante, ouvir temas sérios serem tratados com a seriedade que merecem sem perder a humanidade. Foi isso que aconteceu com os factos e sugestões (certamente tão importantes para as famílias e portadores na plateia) apresentados neste momento do colóquio.

Depois, foi apresentada a conferência “Operação Sorriso” e tivemos a oportunidade de restaurar um pouco mais a esperança na humanidade. Dito assim mesmo, com este tom dramático.


A Dra. Ana Stabel contou-nos histórias como as de Enok e mostrou-nos como se organizam missões de intervenção em fenda labiopalatina pelo mundo fora – porque “devemos usar a palavra bondade, porque todos a merecemos”. Pesquisem um pouco, leiam sobre a sua missão e, se assim o desejarem, façam um donativo. Pelo “sonho de pôr batom” ou pelo “sonho de comer esparguete sugando-o”.


Seguiu-se um debate moderado pela Dra Sofia Veloso com o Dr. Bessa Monteiro, o Dr. Rowney Furfuro, a Dra. Ana Leal, a Prof.ª Doutora Alexandra Matias, o Dr. Carlos Torrão Pinheiro, a Dra. Ana Stabel e a Dra. Sónia Leite, em que cada um teve oportunidade de trocar ideias e sublinhar algumas questões abordadas previamente. Seria interessante ter um vídeo com excertos do debate, pois foram salientadas questões muito pertinentes - desde a análise das limitações da ciência, ao dado comprovado da importância da toma de ácido fólico desde o período pré-concepção (sempre que possível, senão o mais precocemente), sobre a necessidade de acompanhamento pré-natal e a devida informação, à assunção da necessidade de acompanhamento em Terapia da Fala ao longo do percurso de vida, às limitações da escola em lidar com estas situações, e ao testemunho sobre o cansaço provocado pelas diferentes intervenções ao longo dos anos. Encerrou com o testemunho de uma jovem, V., que nos disse que viver com fenda lábiopalatina “é normal”. Disse-o com um grande e bonito sorriso emoldurado por batom vermelho, fazendo jus ao sonho descrito por Ana Stabel.


Tomei conhecimento da existência do Lipi Rabbit. Antes do almoço, foi realizada a sessão de abertura, mas não sem algumas surpresas.

Durante esta manhã, ouvimos histórias de “meninos sem sorriso” e de um menino cuja mãe-guerreira – como todas estas mãe e pais presentes, escreveu um belo livrinho sobre ele chamado “O menino que queria ter o céu na boca”.


Livro este que foi apresentado, não sem trazer comoção a todos - em que a autora fez videoconferência com o filho no momento. Foi oferecido um exemplar a cada pessoa da plateia. Voltarei a este livro, mais tarde, aqui no Bem Dita Terapia, não se distraiam.


Por esta altura, o Dr. Bessa Monteiro, mentor da Equipa FLAP (também no facebook), fez questão de pedir uma salva de palmas para o grupo.


Não bastasse esta mãe, com a história do seu filho, para emoções fortes antes de almoço, não se ficaram por aqui e apresentaram-nos um filme de homenagem ao Professor Doutor Tiago Henriques Coelho (1977-2017), cirurgião pediátrico na Lusíadas Saúde, professor de Pediatria na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e investigador da Unidade de Investigação e Desenvolvimento Cardiovascular. Era membro desta equipa, que nasceu no Hospital de São João e que hoje se reúne no Hospital Lusíadas, cujos membros vimos visivelmente sensibilizados pela perda da alguém que foi, claramente, não apenas um colega, mas um amigo.


Almoçámos no local - cortesia da organização, com uma vista maravilhosa sobre a cidade do Porto.






Iniciada a tarde, a Prof.ª Doutora Alexandra Matias não poderia ter sido mais clara sobre o “Diagnóstico pré-natal”. Uma tarefa nada fácil, mas que levou a cabo de uma forma brilhante e cativante.

Seguiram-se as conferências “Psicologia – Como, quando e porquê?” pela Dra Catarina Cunha, psicóloga, que fez questão de deixar claro que a chave está na «aceitação» e depois «”Coping” e ajustamento emocional dos pais» pela Dra Elisabete Gama, terapeuta da fala, e pela Dra Isabel Sofia Costa, psicóloga. Destaco destas últimas a intervenção centrada nos pais e o modelo de comunicação consciente em que a escuta assume um papel central e chave. A tarde seguiu com “Desafios em contexto escolar” pela Dra. Patrícia Filipe Correia, terapeuta da fala, em que foi dado especial ênfase ao actualíssimo Decreto-Lei n.º 54/2018.

A Dra. Magda Serras, nutricionista, trouxe-nos a assertividade no papel da urgência em se respeitar o domínio da Nutrição para lá da (i)literacia digital. Sensibilizou a plateia para a importância de respeitar a relação entre os ciclos de vida e as necessidades nutricionais do indivíduo rematando que é imperioso compreender e identificar as ofertas que são dominadas por “muitas crenças e pouca ciência”. O ênfase esteve no comportamento alimentar dos adultos/pais e nas sua importância em se assumirem enquanto modelo. Obviamente, e porque falamos de fendas lábiopalatinas, a importância da situação nutricional nos momentos operatórios e da dieta líquida aquando do enxerto ósseo foi especialmente sublinhada.

Graças à Dra. Magda Serras que fiquei a conhecer a Cleft Collection.


De seguida, conhecemos mais um testemunho, L. uma menina de 10 anos que frequenta o 5º ano, cuja "primeira voz" foi uma tabela de comunicação. Uma menina que hoje faz teatro e se expressou lindamente para nós, L., que a colega Elisabete Gama apelidou de “pequeno milagre”.

Seguiu-se a conferência sobre “Desafios antestésicos” em que, embora a tarde já fosse longa, a nossa atenção se manteve presa aos desafios, de facto, com que a Anestesiologia se depara nas situações de fenda lábiopalatina, assim como à importância de um recobro bem acompanhado. Por fim, podemos ouvir a Enf.ª Luísa Areias sobre os “Cuidados na criança com fenda labiopalatina: o papel da Enfermagem” em que o Modelo de Parceria de Cuidados de Anne Casey assume um papel importante.


Passavam poucos minutos das nove horas quando o colóquio começou e já era perto das dezoito e trinta quando o dia de trabalhos acabou. Para o final da tarde, algumas crianças já se mostravam naturalmente impacientes – que crianças tão resilientes. Os percursos de que ouvimos falar certamente contribuíram para que conseguissem estar ali um dia inteiro a ouvir tão respeitosamente. Os pais presentes estão todos de parabéns – por tudo. Por estarem ali a um sábado soalheiro. Por estarem tão atentos a matérias tão específicas. Por não conseguirem esconder a comoção em determinados momentos. Por, afinal, ajudarem os filhos a encontrar um céu para as suas bocas.

Este encontro não foi uma reunião informal, tratou-se de um colóquio com conferências cuidadosamente preparadas do ponto de vista científico. Era aberto a pais, mas com nível e rigor científico para profissionais. Nem por isso demoveu nenhumas das partes. Foi extremamente gratificante partilhar a plateia com aqueles que somos todos nós: pais, mães, tios, tias, irmãos, irmãs, etc. Filhos e filhas, afinal.


Assim, vale a pena “roubar” um dia de folga à família. Esta equipa FLAP e o Hospital Lusíadas Porto estão de parabéns e eu só tenho a agradecer a oportunidade dada para passar aquele dia entre eles (e a mim por não ter cedido e ficado em Coimbra a adiantar outros serviços 😉 ).


Vim de lá com a certeza de querer, mais e mais, acompanhar situações de fenda lábiopalatina - em qualquer idade, desde o nascimento à idade adulta, reconhecendo que é uma condição que necessita e beneficia do acompanhamento em Terapia da Fala ao longo da vida.


Recomendo que estejam atentos a iniciativas desta equipa. Eu estarei, certamente.

Saudações terapêuticas, Sandra Cruz

terapeuta da fala, Bem Dita Terapia, Coimbra

_________________________________________________________________ Resumindo - Pontos fortes deste encontro Local - centralidade, facilidade de acesso, estacionamento, conforto das instalações Generosidade - inscrição gratuita a incluir também refeições e a oferta do livro lançado durante o colóquio

PROGRAMA - rico e diversificado Oradores - apresentações a respeitar o conhecimento e evolução científico de cada área com atitude de partilha e esclarecimento, fornecimento de referências-chave

Plateia - heterogeneidade a indicar o interesse dos vários agentes envolvidos na condição em causa Humanidade - atitude assumida por todos, sem excepção e sem desvirtuar ou diminuir a qualidade ciêntífica do programa Por favor, notem que ao longo deste testemunho de participante, deixei algumas referências e ligações que guardei do colóquio, sugiro que as consultem

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